A música de entretenimento anda muito arrogante

Se não bastasse o futebol querer se levar a sério demais e se auto-rotular de dever cívico, a música de entretenimento, feita apenas para dançar, se divertir, anda muito metida a cultural.

E não é só em nosso país, pois a música comercial estadunidense quer se impor como "cultural" e "cabeça", apesar de não ser vista como tal lá nos "States". Claro, lá o pessoal, mais educado, conhece as peças que produz. Ganha um doce quem advinhar qual o país que menos chorou a morte de Michael Jackson, símbolo máximo da música comercial americana.

Não que a música comercial fosse ruim. Muitas até são bem feitas. Mas o que difere é a finalidade. Música comercial é descartável e feita apenas para se divertir. Não tem propósitos de evolução social e nem torna ninguém mais sabido (como de fato acontece na música intelectualizada, onde a música se torna fonte de conhecimento e desenvolvimento intelectual).

Eu mesmo gosto de várias músicas comerciais, mas sabendo que são comerciais. Não me considero fã de cantores comerciais, mesmo gostando de várias músicas. Tenho o conhecimento da descartabilidade de suas músicas e não vou sair na rua para defender o tal ídolo. Até porque esses ídolos nada tem a dizer de extremamente importante. Eles só querem é nos divertir.

Mas ultimamente, os cantores comerciais colocaram nas suas cabecinhas que pretendem mudar o mundo com suas dancinhas. Fala-se muito em "cultura" "arte" e alguns nomes são erroneamente associados ao ativismo social e político. Mas quando você toca o cd deles ou assiste aos seus vídeos ou concertos, nada de "intelectual" aparece.

Pop americano engana fácil porque é cantado em inglês

No Brasil está havendo um hábito equivocado de achar que os ídolos descartáveis americanos são a "cultura superior" americana e que todos são politizados e fazem música para a eternidade. Esse pensamento errado parte do princípio que os Estados Unidos são um país de primeiro mundo.

Mas apesar de poderosos politicamente, só quem vive lá sabe que em outros setores, o país tem problemas bem característicos de terceiro mundo, com desigualdades e uma camada pobre da população que não tem acesso digno a serviços essenciais, sobretudo a educação. Quem já viu filme de gangsta*, sabe que muitos pobres americanos (não todos, mas boa parte) também são grosseiros e ignorantes (não por culpa deles, mas consequencia da falta ou da escassez de uma educação adequada), tanto quanto os daqui.

Mas os ignorantes do Brasil ignoram a existência dos ignorantes ianques. Por ser estigmatizada como potência, crê-se que os estadunidenses são superiores em tudo. Mas observando as letras das músicas de maior sucesso nas paradas americanas, nota-se uma pobreza tanto nos assuntos abordados como na utilização de palavras e informação cultural (bem escassa), típicos de quem faz qualquer coisa para ganhar um bom dinheiro. Todos gostam de dinheiro fácil. Quem não gosta?

Mas para quem não sabe ou sabe mal inglês, isso não faz diferença, já que ele é seduzido por todo o aparato visual feito para iludir, já que a visão é o sentido mais apurado (mas nem tanto - moscas enxergam mais) do corpo humano. Aparato visual que já é produzido no Brasil.

Popularesco é o hit-parade brasileiro

Com a queda do muro de Berlin e o fim da ditadura militar, os empresários brasileiros encontraram liberdade para impedir a liberdade da população, já que esta poderia limitar todos os privilégios e o poder que sempre detinham. Aí, no início dos anos 90, veio a idéia de dominar a população através da cultura.

E aí vieram as tendencias do popularesco (axé, pagode, "funk", "sertanejo" brega e similares) e a queda de qualidade do rock e do pop brasileiro, supostamente hegemônico na década anterior.

Com a consagração do popularesco pela mídia, um hábito que tem aparecidos nos últimos anos é de tentar usar decretos políticos para "legítimar" tendências popularescas como "patrimônio cultural". Ocorreu com o axé, com o boi-bumbá (armação meramente turística que veio com a lambada, na região norte do país), com o "funk" carioca e está para acontecer com o tecnobrega, nome dado a reciclagem do forró-brega.

Essa consagração através de leis é o extremo da super valorização da música de entretenimento. Quem aprova a lei não entende de música e acha que o ritmo a ser classificado como patrimônio tem muito a dizer.

É claro que são câmaras de vereadores, muitos deles semi-analfabetos que estão lá por meros votinhos de cabresto, que que decretam esses embustes como patrimônio. Se os interessados fossem recorrer ao IPHAN levariam um sonoro "NÃO!" na cara, pois no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, trabalham entendidos, que sabem muito bem que as tendências do popularesco são meros modismos descartáveis, tentando eternizar o seu ganha-pão.

Essa mania vai parar quando a sociedade se evoluir. Pois quem é intelectualizado não é enganado pelos embustes da música mercenária. E é isso que a elite quer evitar, consagrando os tais ritmos como "patrimônio cultural".

Domínio cultural é para manter privilégios da elite

A dominação através da cultura é um modo fácil de domínio, já que, nas aparências, não existem traços de crueldade numa dominação deste tipo. Os vilões sempre estão mascarados de bonzinhos e fica difícil de combater. A população, ingénua, é facilmente dominada por acreditar que seus ídolos "só tem qualidades", justamente pela falta de traços de crueldade aparente.

Aí na música, na TV, no cinema, nos esportes, a população é facilmente enganada por um monte de idéias, ídolos e obras que escondem o verdadeiro caráter mercenário atrás da desculpa de "transmitir bons valores à sociedade". E que valores são estes? melhor nem responder.

A cultura de entretenimento, que nem sei se deve ser chamada de "cultura", já que uma cultura de verdade transmite conhecimento, algo que não se obtém através de uma diversão fútil, está sendo bastante superestimada. E não é só na música, como falei. O próprio culto ao futebol em épocas de copa mostram isso: um mero passatempo que é tratado como um dever cívico de extrema importância para a nação. Balela.

É interessante para a classe dominante super valorizar o puro entretenimento porque as horas em que a pessoa não está trabalhando, é o tempo livre que a pessoa dedica a si mesma e há o medo que nasçam ideias subversivas nos finais de semana, feriados e períodos de folga. Por isso que existe a necessidade da manipulação ideológica no divertimento. Para manter os privilégios da elite, deve-se imobilizar a população.

E para isso, colocar coisas fúteis no lugar de outras realmente importantes, é excelente forma de manipulação ideológica. Vamos na música, usando um exemplo conhecido.

Bob Dylan sempre fez música intelectualizada*. Mas nos últimos anos, a mídia e as regras sociais tem colocado na cabeça das pessoas que a música dele é chata, monótona e que o legal mesmo é a música de Michael Jackson. Mas Jackson fez música de entretenimento, para divertir apenas, sem o compromisso de informar a população. Mas as distorções feitas pela mídia chegam até mesmo a inverter as funções de Dylan e Jackson, como aconteceu durante a morte do segundo, que na comoção coletiva, foi alçado a posto de "grande intelectual da música", titulo que encaixa com perfeição em Dylan, mas não em Jackson, que é realmente tem seu valor, mas dentro da área do entretenimento. A verdadeira arte eterna nunca precisou dele. Muitos outros nomes existiram, existem ou existirão para enriquecer a cultura.

Essa confusão foi criada para que os verdadeiros nomes da cultura fossem imediatamente substituídos por outros puramente lúdicos e que as mensagens dos primeiros, supostamente subversivas, fossem definitivamente esquecidas. Fiona Apple tem algo a dizer. Claro. Então tire ela das rádios e TVs e substituia por Lady Gaga e espalhe para todo mundo que Gaga é que é a verdadeira intelectual. Bingo! Os empresários podem ficar tranquilos. Enquanto as pessoas estiverem achando que Lady Gaga tem algo a dizer e seguí-la, os privilégios dos poderosos estarão intactos.

Pois cultura fraca gera povo fraco. E povo fraco é facílimo de ser manipulado. Como está sendo em nosso país.

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*NOTAS: Dylan odiava esse rótulo - e eu também reprovo, já que esse rótulo sugere que as pessoas consideradas normais devem ouvir "música de burro" enquanto as músicas que realmente tem algo a dizer ficam para exclusividade dos "intelectuais".

O link "gangsta" leva para o verbete "gangsta rap", referente ao tipo de música. Não achei um texto que se refira puramente ao estilo de vida das gangs. Mas o verbete fala um pouco da personalidade dos integrantes dessas gangues.

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