Eternizando o descartável, descartando o eterno

Infelizmente, a maioria das pessoas medem a qualidade musical por fatores que não estão ligados à qualidade da música em si, como vendagens, gosto pessoal e presença de mídia. vamos nos concentrar nesta última, que é bastante comum.

Nota-se que com a mercantilização da música, a qualidade musical se tornou supérflua, graças aos empresários de gravadoras, gente que entende muito de grana e nada de arte.

Para esses homens de negócio, só interessa aquilo que faz entrar dinheiro nos cofres de suas empresas, independente de ter ou não qualidade. Aliás, é bom até nem ter qualidade, já que artistas sem qualidade são flexíveis*, podendo ser manobrados ao sabor do vento, de acordo com a moda vigente. Essa flexibilidade é que faz com que as carreiras de nomes descartáveis durem anos e anos e é algo que não condiz com artistas realmente sérios.

E atualmente, no entretenimento (o artístico é menos vulnerável à manobras), muitos ídolos medíocres têm se beneficiado da insistente permanência na mídia, enquanto artistas de verdade têm desaparecido feito mágica. Porque isso acontece?

Acabei de falar que para as gravadoras e para a mídia, só interessa o que possa se tornar vendável. Com o emburrecimento da sociedade, graças à má qualidade da educação (não só escolar) e da queda de valores morais, intelectuais e sentimentais, as pessoas começaram a achar aquilo que é puramente artístico "chato", passando a preferir o puramente divertido, mas transferindo o rótulo de artístico para este, já que eles, graças a capacidade limitada de percepção, não sabem realmente o que é arte. Arte, para eles é o que aparece na mídia, sobretudo na TV.

Já que o puramente artístico é considerado chato, as gravadoras e os meios de comunicação deixam de investir no artístico para investir no puramente divertido. Mas como o puramente divertido tem como seu carma o perecimento, já que diversão se refere apenas a um momento, esses empresários acharam ótimo aproveitar da ignorância dos fãs e passar a rotular de "artísticos" os ídolos do entretenimento, fazendo que com este rótulo, eles ganhem a perenidade. Legal, pois irão com isso, ganhar dinheiro por muito tempo.

Exemplos de tentativa de eternização de ídolos que deveriam ser descartáveis não faltam: a transformação de Michael Jackson em "gênio", a classificação do "funk" carioca em "movimento cultural", a supervalorização de Lady Gaga e Justin Bieber, o título de "diva" dado à Beyoncé, a transformação do ABBA e dos Bee Gees em "intelectuais", os bregas "de raíz" que são chamados de "cult", etc. Esses ídolos são gente que deveria apenas estar animando festinhas de 4 horas no máximo e são jogados à eternidade como se o que eles tivessem algo de importante a dizer com suas canções inócuas.

Enquanto isso, os verdadeiros artistas, relegados a chatos, vão causando desinteresse até mesmo nas pessoas metidas a intelectualizadas. Muitos detestam a voz de Bob Dylan, tem o fato do Led Zeppelin estar sendo transformado em "One Hit Wonder" por causa de Stairway to Heaven. Idem para o inglês Joe Jackson (nada a ver com o hitmaker citado antes), por causa de Steppin' Out. Frank Zappa e Tom Waits metendo medo nas massas por suas esquisitices. Patti Smith, a verdadeira dama do rock, é desprezada por não ter "cara de gatinha". E também artistas nacionais, como Chico Buarque, Milton Nascimento, que são considerados "traidores do povo", como se a população em geral não tivesse emburrecido.

E emburreceu mesmo. Não é o Chico Buarque que se tornou difícil, como ele tem sido sempre acusado. O trabalho dele continua o mesmo de 40 anos atrás. É o povo brasileiro, que emburrecido, perdeu a capacidade de entender as obras do compositor e prefere a mediocridade que a mídia vomita na cara desse mesmo povo.

Por isso mesmo, a verdadeira arte ganhou o pejorativo rótulo de"música para intelectual", como se a sociedade fosse dividida em "intelectuais" e "gente normal". Na verdade, o que acontece é a divisão entre "gente normal" e "ignorantes", já que o mundo sempre caminhando em evolução, o ser humano deveria acompanhar a evolução. Mas como numa perfeita manifestação da Teoria da Devolução, esse povo prefere que as máquinas evoluam para que o ser humano permaneça na inércia. E a inteligência, para esse povo seja apenas um rótulo a ser dado gratuitamente. Não dão rótulo de artístico, assim de bandeja, para vários ídolos? Então! É muito fácil alguém se tornar "artístico" ou "inteligente" apenas com rótulos.

Os exemplos mostrados na figura acima ilustram a problemática do eterno que é descartado e do descartável que eternizado. A insossa Britney Spears e sua musiquetinha descartável, com pouca qualidade vocal (a voz dela é fraca, tratada por vocoders), puramente dançante, sem nada a dizer, está aí, insistindo em se tornar admirada.

Enquanto isso, uma artista em evolução como Fiona Apple, acabou sumindo da mídia, talvez descontente com os rumos que o irrit-parade quer impor para a música em geral, fazendo com que a música de qualidade desapareça por completo do planeta (felizmente não irá. As reações anti-hit-parade são muitas e a internet tem fortalecido isso), dando lugar aquelas musiquinhas feitas para animarem duas ou três festinhas, durante três verões apenas.

Não há nada errado em gostar de algo descartável. O que é errado é levar a sério e achar que ele será eterno.

Lembrando que gosto de algumas coisas descartáveis (apenas como diversão - sem levar a sério), mas pelo menos não dou valor artístico a elas. Madonna e disco-music são bons para dar uns pulinhos. O problema é quando esses pulinhos se tornarem mais altos e longos demais.

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* NOTA: Não confundam a flexibilidade de artistas descartáveis como Madonna, Michael Jackson, Britney Spears e muitos outros com a mutabilidade de nomes como David Bowie. Bowie nunca foi submisso a modismos e sua mutabilidade foi na verdade tentativas de fuga desses modismos. Bowie sempre foi um artista sério, compromissado com a arte e altamente criativo e autônomo, dono de sua carreira e difusor de grandes ideias.

Por mais que falem maravilhas de Madonna e Michael Jackson, ambos são hitmakers, representantes de um tipo de música puramente lúdico, feito apenas para pistas de danças e festas, sem compromisso com a pura arte e totalmente adaptáveis a modismos. Ambos têm o seu valor para o ramo do entretenimento (diversão), pois foi para isso que eles foram direcionados. Mas colocados em contexto superior a isso, a competência de nomes como eles, que é perfeita no lado lúdico, se mostra incompetente quando exige alguma intelectualidade artística.

O caso de Bowie nada tem a ver com o caso de Madonna e Jackson. Quem entende de música percebe a diferença.

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