Um aviso mais do que urgente

Refleti sobre a chacina ocorrida em Realengo e depois de uma análise fria, me desesperei. Entrei em pânico. E não foi por causa do episódio em si , mas no que ele pode gerar.

Eu sempre fui uma criança com alto nível de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Isso impossibilitava uma sociabilização adequada. Esse mal permaneceu na adolescência e como é uma faixa etária de importante início de sociabilização, dá para imaginar que as consequências foram ainda mais graves do que na infância.

Até a vida adulta, fui daqueles jovens que ficavam sentados sozinhos no recreio enquanto outros se divertiam e conversavam. Só comecei mesmo a tratar o TDAH a partir dos 30 anos. Hoje me socializo melhor, mas sem estabilidade afetiva e profissional, já que nossa sociedade é burocrática, estipula prazos para a realização de anseios de maneira plena. Por causa do TDAH muitas oportunidades foram para o lixo.

Porque eu estou contando isso? E o que isso tem a ver com meu desespero? Simples. Porque pensei nos muitos jovens que ficam sozinhos no recreio. Já sofrem o preconceito de serem diferentes. O fato de serem solitários já ajuda a espantar muita gente desconfiada. Depois dos casos de assassinatos feitos por jovens, a coisa pode se agravar ainda mais para o lado dos já isolados solitários.

É que muitos desses assassinos - preciso dizer não todos -, como no caso recente ocorrido no bairro de Realengo, na capital do Rio, são insistentemente mostrados como "pessoas solitárias", "tímidas" e de "difícil sociabilização". Isso pode gerar um estigma negativo em muitos jovens que tem a dificuldade de sociabilização, transformando essa dificuldade em impossibilidade e gerando danos irreversíveis na auto-estima desses jovens solitários.

Portadores de TDAH, autismo, complexo de inferioridade ou simplesmente com algum traço de personalidade que seja diferente do da maioria, serão tratados como "terroristas" em potencial e isso pode agravar o isolamento dos que já sofrem com isso.

É preciso evitar que se crie um estigma negativo do solitário, dissociando o comportamento violento da carência afetiva. Só uma pequena parcela dos solitários é agressiva e a maioria não tem vida social por falta de oportunidade, por não se adequar ao que a sociedade espera dela. E a sociedade espera demais de uma pessoa.

O que é preciso fazer é conhecer a pessoa solitária, procurar descobrir por que ela está sozinha e tentar sociabilizá-la, convencendo terceiros a aceitar, mesmo com suas diferenças. Assim o solitário deixa tal condição e, vivendo com amigos, aumenta sua auto-estima e passa a assumir um comportamento mais solto e simpático.

Mas achar que todo solitário é terrorista e todo terrorista é solitário é uma falta de informação e de compreensão do que é realmente um ser humano. Precisamos aceitar as diferenças para que vivemos num mundo harmônico e pacífico.

Ser normal não significa ser obrigado a seguir um padrão. Cada um é dono de sua vida e , desde que não prejudique ninguém, tem o direito de ser diferente. É mais democrático.

E todos perceberão que aquela criança sentada calada num canto durante o recreio é, na verdade, uma pessoa altamente dinâmica e altruísta, aquela que será a companheira de todos e trazer muitos benefícios para a sociedade.

Muitos dos jovens calados cresceram e mudaram a sociedade para melhor, mostrando que o vindouro estigma do jovem solitário como terrorista é falso.

E também tem os terroristas extrovertidos, bastante sociais, pessoas más que tinham personalidade solta e de aparente simpatia: Hitler era social, Al Capone era social, Bin Laden é social, Fernandinho Beira-Mar é social. Gente que usou a influência social e a facilidade de conquistar os outros para fazer maldades.

Portanto vamos parar de associar maldades à solidão. Maldade tem a ver com o caráter, com a evolução moral do indivíduo e não com o fato dele estar sozinho ou não.

Um convite a todos: porque não experimenta conversar com aquele menino ou aquela menina que só ficam calados, sentados num banquinho? Vocês poderão surpreender e encontrar uma pessoa que os poderá fazer felizes. É só tentar.

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COMENTÁRIO: Somente de uns poucos anos para cá, os conceitos de bullying e de TDAH estão sendo difundidos. Se no meu tempo de juventude esses conceitos fossem conhecidos, teria sido muito mais fácil de resolver os problemas que eu tive e teria entrado no momento certo na vida profissional e na vida afetiva.

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