A declaração de Xuxa, o marketing do sofrimento, a palmadinha e os traumas de uma sociedade em fúria reprimida

Todos sabem que a mídia nunca foi solidária com ninguém. A mídia quer audiência, além da defesa do ponto de vista de seus proprietários. Todos sabem também que as celebridades desejam ser o centro das atenções de fazem de tudo para manter esta condição, como se a vida deles dependesse disto.

No último domingo, foi ao ar uma entrevista da apresentadora Xuxa, que prometia ser reveladora. A maior parte do conteúdo foi de bobagens desnecessárias, feitas mais para manter a apresentadora em evidência e fortalecer a audiência do Fantástico, um programa em franca decadência. Mas o que chamou mesmo a atenção foi a declaração de que ela havia sido violentada sexualmente na infância.

Todo tipo de violência é reprovável. A violência contra crianças é mais ainda, já que a própria condição da vítima a faz indefesa. Pedofilia é crime e precisa de punição bem rigorosa. Mas essa entrevista era a oportunidade adequada para a apresentadora ter se assumido vítima de pedofilia? Certamente que não.

A vida particular da apresentadora não me interessa. Se ela realmente foi vítima de abusos na infância, poderia ter escolhido outra forma para avisar isto ou ter se engajado em alguma campanha em combate. Não é o fato de ter sido vitima que me estranha, mas a declaração dada por ela ao programa, em plena época de decadência da apresentadora (que não sabendo mais o que inventar, apresenta atualmente um programa que arrumaram para ela, medíocre e bem popularesco). Soou como auto-promoção, algo que é dito frequentemente por muitos que assistiram a entrevista.

O que é de se estranhar é que virou moda uma celebridade feminina dar declarações desse tipo. Será que todas as mulheres famosas forma vítimas de abuso sexual na infância? Passa a estranha e absurda ideia de que as vítimas de abuso se tornarão celebridades quando crescerem. 

Coitados fazem sucesso, rendem dinheiro e dão ibope

Virou moda hoje em dia todo mundo posar de vítima de alguma coisa. Posar de sofredor comove muita gente, garantindo a popularidade de quem se assume como "coitadinho". O rótulo de coitado até se transforma num escudo, pois os defensores já logo chegam, como coisas do tipo: "você não pode falar mal do coitadinho, que sofreu tanto". Sofrimento existe para todos, mas cada um sofre da mesma forma. Mas usar o sofrimento como catapulta para popularidade é uma coisa bem mesquinha, típica de quem não sabe vencer por mérito próprio.

Pedofilia e hipocrisia

A pedofilia e o nazismo são assuntos que devem ser tratados medindo as palavras rigorosamente. Eles fazem parte do que eu chamo de "traumas coletivos", em que a sociedade como um todo se estremece quando é tocado. Realmente são episódios tristes da humanidade que fizeram - e ainda fazem - muita gente sofrer. Mas essa histeria coletiva resultante desses traumas podem piorar as coisas ao invés de melhorar. 

Nessas horas, usar o raciocínio é muito mais eficiente no combate desses atos nocivos do que a revolta emotiva. Revolta que pode inclusive render contradições notáveis, onde numa situação se defende aquilo que condena em outra.

Pacifistas que querem guerra

Noto duas coisas bem reprováveis na sociedade atual. A mesma sociedade que condena a pedofilia, o nazismo e outras formas violentas, e que se assume como pacifista, defende o porte de armas pelos cidadãos comuns e o "direito" de dar surra em seus próprios filhos. Combater um erro com outro erro? Isso é demais!

Pra quê ter armas? Não canso de dizer que as armas são um sintoma bem evidente do atraso da evolução humana. Somente sociedades muitíssimo atrasadas ainda cultuam e se utilizam de armas. Arma é sinônimo de atraso humano. E é um perigo, mesmo na mão de pessoas "de bem".

Embora a nossa sociedade acredite num maniqueísmo, por influência das novelas e filmes que delimitam com irreal exatidão o caratér de seus personagens, não há na face da terra, alguém 100% bom ou 100% mau. Todos nós temos bondade e maldade em alto ou baixo grau, mas nunca nulos. Uma pessoa "de bem" pode ser irritar durante um momento e, se ele estiver com uma arma na mão, o instinto de defesa acionado durante o momento de tensão, vai fazê-lo usar e arma, causando um estrago que muitas vezes pode ser incalculável, tanto para a vítima, quanto para seu atirador.

Palmadinha é tão cruel quanto pedofilia

E a "palmadinha"? Ela é menos cruel que o abuso sexual? Certamente que não. Palmadinha causa dor, além de não resolver nada. Quase sempre é uma forma de crueldade, já que muitos pais preferem bater em seus filhos para descarregar dos problemas cotidianos. Sabe que se bater no próprio filho, não vai sofrer alguma resposta danosa. E como acontece com o alcoolismo, que sempre começa com um inocente gole, da palmadinha para o espancamento é um pulo. Basta o pai se habituar a usar seu filho como bode expiatório dos problemas que não quer resolver por conta própria.

Para os defensores da palmadinha um recado: já pensou se tudo fosse resolvido na base da palmada? Bom, pra começar os advogados estariam todos desempregados, pois com palmada não precisariam mais negociação. E já pensaram se os chefes de família, de tão acostumados a verem as surras dadas em seus filhos "darem certo", resolverem bater em seus patrões? Todos esses pais iriam para o olho da rua, por quererem resolver tudo no tapa.

E a palmadinha não é crueldade? É sim, pois, da mesma forma que a pedofilia, se aproveita da ingenuidade e da falta de defesa da criança, que sofre um dano sem poder protestar contra isso. palmada gera dor e dor não deve ser encarado como algo agradável. Os defensores da palmadinha deveriam receber uma boa duma sova para relembrar como "é gostoso". Surra na bunda dos filhos é "educação". 

Estranha essa defesa de palmadinha pelas mesmas pessoas que condenam a pedofilia. Isso pra mim é hipocrisia. Fica a impressão de as pessoas só são contra a pedofilia por modismo ou por medo de irem "em cana". Condenar um apoiando o outro é uma contradição que só aumenta a minha revolta.

Ah, mas argumentam que "palmadinha não gera trauma". Pode até não gerar trauma. Mas pra quê educar com dor? Dor educa? Palmadas não resolvem nada. A única coisa que a palmada consegue resolver é que serve como - cruel - forma de desabafo do pai, louco para uma oportunidade de descarregar a raiva em um sistema social injusto, egoísta e exigente. Não seria melhor os brasileiros se unissem e fazerem de tudo para prejudicar o interesse de grandes empresários e de políticos? Pra quê descarregar a raiva em uma inocente criança? Ela não tem culpa do mundo estar assim tão ruim e não pode pagar por isso.

Educação não é palmadinha. Educação é diálogo

É por falta de educação que o mundo, mais ainda o Brasil, está assim uma droga, piorando cada vez mais, com falsas promessas de prosperidade (leia-se "consumismo") que nada servem para compensar as insolúveis injustiças e problemas sociais que os brasileiros têm medo - eu falei: têm medo - de resolver.

Palmadinha é na verdade uma forma de "educação" de quem não sabe educar, de quem não sabe conversar com seu filho e convencê-lo do que está errado. Impor limites é válido, como por exemplo, proibir a criança de temporariamente fazer aquilo que mais gosta. Mas "educar" causando dor física, nem pensar. É crueldade.

Educação não se dá com violência, por menor que seja. Educação se dá ensinando que vivemos em grupo e que todos os membros desse grupo (no caso a sociedade brasileira como um todo) merecem o bem estar, sem depender do prejuízo alheio. E isso é algo quem nem as religiões conseguem ensinar, preocupadas a estimular o medo através do temor a autoridades fictícias criadas por lendas mal compreendidas.

Educação deve estimular acima de tudo o raciocínio e através deste vamos perceber o nosso valor na sociedade e o valor dos outros, tendo as melhores condições de juntos, pensarmos no bem estar coletivo, sem que precisemos de surras e de armas.

Pois quem gera a violência, quer a violência. E se declarar pacifista com mensagenzinhas de conteúdo positivo é porque está mentindo.

Não a toda forma de violência e de exclusão social (que já é uma violência por si só, com dor moral e bloqueio do acesso ao mínimo necessário para viver).

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