Como um mero produto musical se transformou em um hipnotizante mito

No Brasil, é frequente a confusão entre cultura de verdade e "cultura" de massa. O conceito de canção de consumo, feita intencionalmente para vender, surgido nos EUA desde os anos 40 ainda não chegou ao  conhecimento da população brasileira, que ainda se deslumbra com o hit-parade americano e pensa que a cultura brasileira está se renovando através da ruindade musical que estamos cansados de ver todos os dias.

Um dos responsáveis por essa ignorância é o desinteresse dos brasileiros pelos bastidores da industria cultural, preferindo acreditar que as músicas que são tocadas nas rádios e TVs surgem através de hipóteses que na verdade não passam de meras lendas. Como se, por exemplo, um bate-estaca, daqueles que tocam nas noitadas tivesse surgido por inspiração divina do DJ que a criou.

Todos sabem que a canção de consumo é a que consegue seduzir a população, por uma série de fatores, todos planejados meticulosamente por empresários de gravadoras e agentes de celebridades, visando o lucro garantido. Além de observar o comportamento da população, para decidir que tipo de tendência vão lançar, é feito todo um trabalho de persuasão, na tentativa de converter o público-alvo a tendência que os empresários pretendem difundir.

O símbolo maior da canção de consumo morreu há três anos

E o maior símbolo da canção de consumo de toda a história da música, Michael Jackson, faleceu há exatos três anos. Embora, para a maioria das pessoas, crédulas e alheias ao que acontece nos bastidores, pensem que Jackson tenha sido o maior gênio da música, algo como um mega-poeta da música.

Jackson, na verdade, foi um mito muito bem trabalhado. Até a lendária tese de que tenha sido o maior artista de todos os tempos, foi planejada, visando com isso, criar uma perenidade que estimulasse lucros financeiros que fossem eternos. Mas Jackson, além de não ter sido de fato o gênio que quase todos gostam de crer, como o que ele faz não foi decisão própria dele.

Gênios eram quem estava por trás de Jackson

Pra começar, desde criança. Jackson sempre foi cercado de tutores musicais. No início, não compunha, cantando músicas que lhe entregavam para cantar. Com a carreira solo, passou a compor, mas mesmo assim, ainda recebia músicas de outros. Mas até mesmo nas músicas que assinava, teria que seguir as regras do mercado, obedecendo aos padrões do hit-parade.

Mas na verdade, a responsabilidade pela consagração do mito não se deva ao próprio Jackson e sim a equipe que estava por trás: empresários, produtores, diretores de clipes, patrocinadores, radialistas, etc. São os verdadeiros caras que deram a massa necessária para cimentar o mito Michael Jackson, que conseguiu convencer, mesmo com um repertório mediano, com letras medíocres e despido de qualquer rigor realmente artístico (lembre que estou falando de arte, não de "cultura" de massa, que é o que 9 entre 10 brasileiros entendem como "arte"), quase toda a sociedade, principalmente a ingênua sociedade brasileira de que era o "maior"na música.

Se não fosse todo o trabalho feito por outras pessoas, produzindo discos obedecendo as regras de mercado, criando coreografias e dirigindo e produzindo clipes cinematográficos(no sentido "Spielberg" do termo. Não à toa, eu sempre traço um paralelo entre ambos, chamando Spielberg de "Michael Jackson" do cinema), Jackson teria sido, graças ao que sabia fazer, apenas um cantor correto, esforçado, mais um entre tantos que lançam por aí.

E olhe que muita gente muito melhor do que ele em matéria de talento musical, não tem sequer 0,01% do reconhecimento que transformou o cantor ianque em "deus da música". A minha cantora favorita Laura Nyro, também falecida, é um bom exemplo.

Esqueça tudo que foi dito sobre Jackson e compare a qualidade musical, musical mesmo, entre o cantor e dançarino ianque e a cantora compositora do mesmo país. Nyro dá de um milhão a zero em Jackson. Mas não teve o trabalho de marketing que tanto ajudou Jackson na construção do mito. Além do fato de que a música de Nyro, sendo bem mais intelectualizada (a música de Jackson nunca se destacou pela intelectualidade - e isso é um fato aceito inclusive pelos fãs do cantor), não é de fácil aceitação das massas que esperam um fast food musical que Jackson sabia servir muito bem.

Popularidade de Jackson foi maior no Brasil que nos EUA. Mas os brasileiros não sabem disso

A aversão ao intelectualismo e a procura de coisas bem lúdicas nos momentos de lazer, ajudaram muito na tradição do povo brasileiro de procurar músicas cada vez mais digeríveis, que não exigissem muito esforço para serem assimiladas. E Jackson era a opção perfeita pars isso.

Se bem que o desconhecimento do idioma inglês por parte das massas brasileiras, que só querem saber do idioma nas horas de trabalhar, estudar e fazer "plec-plec" no computador, facilitaram a transformação do cantor-dançarino em "gênio máximo", já que não percebiam o conteúdo medíocre de suas letras, nada além do que qualquer pagodeiro de uma esquina qualquer da Baixada Fluminense saiba fazer. 

Se soubessem inglês, os fãs talvez mensurassem o tamanho da besteira dita que classificava Jackson como "alma-gêmea" de Renato Russo (neste caso, contrariando qualquer mitologia, o brasileiro é infinitamente superior ao americano), mesmo sabendo que Jackson não era leitor de livros intelectualizantes.

E só mesmo no Brasil para encontrarmos o terreno fértil para tanto fanatismo em relação ao cantor-dançarino. A má educação recebida pela população brasileira, acrescida das mentiras aprendidas pela televisão, facilitaram muito por esta credulidade e pelo conceito errado do que é arte e do que é importância musical na cultura.

Os EUA, por incrível que possa parecer, foi o país que menos chorou a morte de Jackson. Somente a panelinha formada por amigos, parentes e admiradores, colocou as lágrimas para descer. A grande maioria preferiu encarar a notícia com mais naturalidade ("Ora, é mais um que se vai"). Além do fato de que no país natal do cantor-dançarino, todos já conheciam a "peça", os ianques tem um nível educacional, que se não é perfeito, pelo menos é muito melhor que o do brasileiro, se fizermos a comparação.

Os brasileiros não sabem disso, pois achariam estranho maior nome que eles conheciam dos EUA fosse esnobado como foi de fato, em sua terra-natal. A crença de que os EUA todo choraram pelo ídolo morto é confortável para os fanáticos brasileiros.

A verdadeira importância de Jackson

E os EUA tem mais sabedoria em lidar com ídolos do porte de Jackson, evitando qualquer pompa. Pra começar ele é definido como "entertainer" (termo que significa "responsável pela diversão" e que foi mal compreendido pelo jornalista Zeca Camargo, que pensou que o termo classificava um artista sem limites de criação, o que é uma bobagem sem sentido, talvez invenção do ingênuo jornalista brasileiro), o que o classifica como uma diversão pura, algo que não deveria ser levado a sério.

O meio em que o mito Jackson foi criado é o do show-business e o cantor-dançarino nunca teve a pretensão de usar a sua música para melhorar a cultura de lugar nenhum. Jackson foi na verdade, um produto criado para as pessoas se divertirem, darem risada, se emocionarem. O mundo nunca iria melhorar com as dancinhas de Jackson. 

O grande legado dele está no ramo do entretenimento, da diversão, do melhor aproveitamento da imagem e das circunstâncias midiáticas e nisso, de fato, Jackson era craque. Jackson soube aproveitar se do momento e de equipe especializada para vender sua imagem e ganhar muito dinheiro com isso, além de desenvolver o show-business, glamourizando a "cultura" de massa.

Esse sim foi o legado de Jackson. E parem de uma vez por todas de inventar qualidades e méritos para o falecido cantor-dançarino. As qualidades que ele tinha já eram suficientes para colocar o show-business e a "cultura" de massa em pedestais cada vez mais altos.

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