As novas religiões do Brasil

O povo brasileiro tem preguiça de raciocinar. Não que não tenha capacidade para isso, mas é porque acha que raciocínio só deve ser utilizado no emprego e nos estudos. Nas horas vagas, para a maioria, é melhor descansar o cérebro e se esconder nas ilusões. E para isso, nada melhor que aceitar cegamente valores consagrados pela sociedade e que não param de ser difundidos pela grande mídia, tão interessada em submeter as pessoas.

E nesse festival de credulidades, onde ideias, costumes, preferências, convicções, se consagram não por serem realmente boas e úteis, mas por que a crença as define como tal. Como ninguém quis verificar se tudo isso realmente confirma o que parece, os brasileiros preferiam aceitá-las cegamente, baseando-se no prestígio de quem as difunde ou na adesão da imensa maioria da população. No Brasil, erro cometido pela maioria é considerado acerto. Para eles é melhor assim.

Inspirado na credulidade, que é típica das religiões que, sem exceção, difunde lendas fictícias como se fossem fatos reais e condiciona a aceitação disso como motivo de salvação, resolvi fazer uma lista de novas "religiões", com ideias cegamente aceitas pela sociedade e repetidas como mantras, como se a crença nelas pudesse trazer a salvação. Pelo menos a salvação fictícia, aquela que traz uma alegria provisória imersa em vários tipos de ilusão.

Vamos à novas religiões do Brasil.

FUTEBOLISMO

É, na verdade a maior religião (sem aspas) do país. Ganha em seguidores até dos poderosos catolicismo e das inumeráveis variações do protestantismo. O fanatismo é tanto que, em seu principal campeonato, ocorrido de 4 em 4 anos, o país todo para, como se uma entrada de uma bolinha em uma trave pudesse trazer a prosperidade a a dignidade que deveriam vir de forma mais concreta. 

O fanatismo também transformou essa religião em obrigação social, condenando o não-adepto ao isolamento social e ao rótulo de "antipático", na melhor das hipóteses, claro. Há rótulos bem piores que é melhor nem citar. 

Nesta religião, os jogadores são os santos, os técnicos os sacerdotes e os cartolas os deuses. E as partidas verdadeiras missas que fazem a população largar tudo para poder assistir. Afinal, é uma obrigação para eles, fazer o quê?

CAPITALISTISMO

Você não leu errado. É isso mesmo: Capitalistismo. A adoração a capitalistas. Já repararam que ninguém fala mal de capitalistas? Falam mal de políticos, mas não falam mal de empresários, executivos, etc.? Se esquecem que os políticos mais corruptos são empresários "nas horas vagas" e que a carreira política serve para aumentar ainda mais o poder e o patrimônio que já é grande nas mãos deles. O povo brasileiro deve estar realmente precisando de emprego, para insistir em puxar saco de capitalistas.

O povo brasileiro, tradicionalmente masoquista, se alegra, mesmo sem saber, do salário mínimo que recebe, ainda escravocrata e que nunca satisfaz as necessidades garantidas pela Constituição Federal. Empresários, mesmo sendo exploradores explícitos, são idolatrados, obedecidos, admirados. Ninguém quer saber da trajetória deles, preferindo acreditar na lenda de que "todos sofreram para chegar aonde estão". É lindo ver todo mundo, até mesmo os donos do poder,  posar de "coitadinhos".

Os capitalistas são os grandes sacerdotes de um sistema que se caracteriza pela má distribuição de renda e pela manipulação do pensamento social. São ditadores implacáveis que por não usarem armas de fogo, são considerados doces democratas por uma sociedade crédula que nem sabe que é objeto de chacota de seus "mestres" quando estes se trancam às quatro paredes de seus refrigerados escritórios de luxo. 

MICHAEL JACKSONISMO

O brasileiro ainda mantém o cacoete infeliz de achar que tudo que os EUA faz é melhor que o que fazemos. Acreditam que a cultura - de mercado - produzida por eles é perfeita, pelo simples fato de ter sido exportada para quase todos os países. 

Os muitos ídolos lançados pelo pop comercial estrangeiro, nascidos das provetas dos escritórios de gravadoras e produtoras, são tratados como verdades absolutas, como se fossem artistas puros, até como intelectuais a serviço do esclarecimento mental de toda a sociedade. Pudera, ninguém traduz suas letras para perceber as besteiras que eles cantam em inglês. Ou besteira escrita em inglês é sabedoria? 

Ninguém percebe também todo o trabalho sujo que é feito para transformar alguém medíocre e sem vocação artística em um ídolo. Como nos dois casos anteriores - e isso a caracteriza como religião - as pessoas preferem assimilar o que acontece com estes ídolos como lenda, preferindo ignorar fatos. São capazes de achar que um medíocre ianque é mil vezes melhor que um gênio brasileiro, só porque acredita que a nacionalidade do tal ídolo lhe dá um poder superior a nós, eternos terceiro-mundistas. Balela! 

Música ruim ou mediana existe em todo o lugar e não é porque um ídolo mediano é difundido como "gênio" que signifique ele ele seja gênio de fato. Pode ser um mito construído. Desligando os holofotes vira pó. Igual aos "santos" de qualquer religião, alheios aos fatos da realidade.

BRTISMO

As grandes cidades já não comportam tantos problemas, principalmente os de trânsito. É cada vez maior o tempo de ida e chegada de cidadãos de vários lugares aos seus lares. Algum planejamento deveria ser feito para resolver isso. Aí um belo dia, um arquiteto curitibano teve uma ideia de criar um sistema, que mais tarde foi batizado de BRT (Trânsito Rápido de ônibus, em inglês), instalado em sua cidade natal. De início até melhorou, mas recentemente mostrou falhas. 

Com os grandes eventos esportivos que o Brasil irá sediar (como se a população inteira do Globo Terrestre pudesse pairar por aqui em nossas plagas), cismaram em instalar no país todo o sistema de Curitiba, se esquecendo que nem todos os municípios possuem as mesmas características da capital paranaense. E aí da-lhe demolições de casas, reservas florestais, obras caríssimas com direito a desvios de verbas, para implantar algo que na verdade deveria ser apenas um aspecto de qualquer projeto de mobilidade urbana, mas é tratado como se fosse o principal por alguns, e até como "O Projeto" por outros. Se esquecem até da questão que, se não houver redução dos automóveis, o BRT não passará de mero enfeite.

Essa adoração ao BRT não leva em conta outros aspectos de mobilidade que são automaticamente esquecidos, graças a beleza e a imponência do sistema de belos veículos articulados rodando em vias ainda mais belas. E aí, os problemas não relacionados com o BRT se mantém inteiros, provando a inutilidade do sistema curitibano que na verdade poderia ter sido substituído por um profundo estudo de remanejamento das linhas de ônibus que já existem. Mas isso não aparece, não tem a pompa necessária para fazer as pessoas gritarem "Oh!". Fioquemos com o "santo" BRT e mantenhamos os outros problemas de mobilidade. A beleza dos articulados serve de maquiagem para a feiúra de nossa mobilidade urbana.

Existem outras religiões. Mas estas são as mais fanáticas. Quando os "deuses" destas caírem, veremos que tudo não passou de mera credulidade. Meras lendas tomadas como fatos da realidade.

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