A apologia à pobreza

A ditadura militar poderia ter deixado de matar e ferir muita gente. Somente nesta década, os poderosos encontraram um meio pacífico - e passivo - de manter a população imobilizada, sem exatamente imobilizá-la. A isso um grande amigo meu deu o nome de Apologia à Pobreza.

Consiste no seguinte: se aproveitando do escasso nível educacional do povo pobre - disfarçado pelo excesso de informações que ele recebe embaralhadas através da mídia, o que dá a aparência de "inteligência" -, os poderosos, através da mídia, criam a ilusão de que a vida do pobre está "melhorando" sem que ele deixe de ser pobre. É dar ao povo pobre a ilusão de melhoria na qualidade de vida e de que as rédeas da cultura agora são comandadas por ele, transformando os favelados ou os criados em favelas em centro das atenções de toda a sociedade.

Uma melhoria de mentirinha, é claro. As limitações da pobreza e os problemas gerados por elas, são tranquilamente mantidos. Mantidos sob vernizes embelezados pela mídia.

Um dos aspectos mais comuns é colocar o consumismo como "qualidade de vida". Ou seja: "o barraco está caindo? Não se preocupem! Coloquem uma antena parabólica e curtam as maravilhas da televisão!". É uma crueldade que não causa dor. Por isso mesmo nunca vista como crueldade.

É aquela coisa: não se dá vida digna ao pobre, mas dá câmera e microfone. O pobre continua burro, sem referências culturais, confundindo as tolices que jogam na sua cara como a "mais pura expressão dos povos das periferias" e comprando um monte de inutilidades que nada contribuem para a real melhoria de vida.

Macaquinhos de realejo

Para piorar, o povo pobre recebeu dos poderosos a "missão" de entreter o resto da população, incluindo a elite. Os ricos agora sobem as favelas, não para tentar ajudar, mas para dar-lhes o caráter de "novos pontos turísticos", como quem vai visitar o habitat de alguma espécia animal (outra comparação feita pelo meu amigo que criou o rótulo de "apologia").

Isso não lembra os macaquinhos de realejo, que fazem todos rirem com suas dancinhas? Os pobres cumprem bem a função de animaizinhos fofos quando estão alegres. Mas do mesmo modo que os animais, quando se zangam , todos se apavoram, como por exemplo, nas manifestações sérias, imediatamente reprovadas pela grande mídia e seus simpatizantes. Pobre bom é pobre manso, mesmo que ele faça grosserias, desde que não deixem de ser "alegres".

Falsa qualidade de vida, falsa valorização

Os pobres pensam que passaram, a ser valorizados. "Mandam" na cultura e frequentemente são bajulados na grande mídia, além de terem facilitado o acesso às bugigangas mais modernas que são lançadas a cada minuto pelas empresas.

E com a internet e o barateamento dos equipamentos, passaram a produzir seu próprio entretenimento. O que a falta de estudos e de conhecimento cultural faz com que tudo acabe sendo feito de maneira muito errada, resultando num produto cultural de péssima qualidade e que defende valores, senão grotescos em alguns casos, que são equivocados.

Burrice é a nova forma de inteligência

Para as leites isso é maravilhoso. Transformar a burrice em nova forma de inteligência foi a melhor forma de imobilização encontrada apenas muitos anos após ao surgimento das iniciativas de caça aos comunistas, muitas décadas atrás. Uma mordaça mais suave, que consegue cumprir seu papel de mordaça.

Sem o conhecimento certo, sem referenciais culturais, embolando informações, aprendendo e ensinando tudo errado, o povo pobre acaba se tornando cada vez mais acomodado, "feliz" com a sua condição indigna, iludido com os supérfluos que caem em suas mãos e ainda tendo que aceitar a "cultura" malfeita imposta pelos "intelectuais de proveta" como se fosse a sua "autêntica forma de expressão natural".

Como bobos da corte modernos, os pobres agora tem a "missão" de entreter a todos com suas ridículas "criações", enterrando de uma vez por todas a cultura de qualidade, que está sendo esquecida até mesmo por pessoas de altas graduações acadêmicas (que pensam que o hit parades e blockbusters vomitados em nós pelos americanos, tão ruins quanto a nossa "cultura de povão" representam a "salvação" para a decadência cultural em nosso país), impedindo assim a verdadeira compreensão de nossa injusta sociedade, fazendo com que não sujam pessoas esclarecidas que possam fazer o papel de subversivas e possam ameaçar o ganancioso poder das classes dominantes.

Trancar os pobres nessas "jaulas" chamadas favelas e transformá-los em entretenimento para os outros é algo muito cruel. Uma crueldade silenciosa e indolor que faz com que as próprias vítimas se sintam felizes enganadas e enganando , contribuindo para uma cultura cada vez pior e um estilo de vida cada vez mais acomodado e conformado com as injustiças e os problemas que nunca param de crescer ao nosso redor.

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