Morrissey: "Você é bombardeado na cabeça com músicas que outros escolhem para você ouvir"

O cantor e compositor inglês Morrissey deveria ser considerado o maior cantor da atualidade, idolatrado por todos. Mas infelizmente é subestimado pela massa sedenta por vulgaridades e por cultura inútil que satisfaça apenas as emoções baratas.

O desprezo que ele recebe é muito comum a artistas de verdade, principalmente os intelectualizados, que acabam substituídos por produtos que só servem para fazer dançar, mas que são tratados como "intelectuais", sem ter qualquer compromisso com o desenvolvimento da sociedade, graças a exagerada importância que recebem da mídia.

Um desses produtos, um talentoso dançarino cantante, morreu sendo tratado pelos brasileiros incautos como se fosse "o maior intelectual da música", quando suas letrinhas medianas só falavam sobre danças e banalidades, usando palavras comuns, que não servem para justificar a genialidade inexistente desse dançarino. Coisa de quem não entende letras em outro idioma que não seja o português, pensando que só existe intelectual na música ianque e inglesa.

Morrissey é que merece ser tratado desta forma. No entanto as posições são trocadas e o intelectual inglês é confundido, no Brasil, como se fosse uma "bicha divertida" (só porque é o único a cantar letras sobre as reais dificuldades masculinas na vida afetiva), algo que de fato o tal dançarino era, provocando uma inversão de valores que ajuda a calar a voz de Morrissey (que é assexuado e de certa forma homofóbico - seu único defeito), de altíssimo conteúdo esclarecedor.

Morrissey não é aceito facilmente pelas massas alienadas, embora tenha um grande grupo fiel de fãs, que mesmo sem ele lançar um álbum, se esforça em lotar seus shows para tentar manter viva a obra do maior intelectual da música surgido após os anos 80, uma época onde se lambuzar de laquê e esquecer os problemas não resolvidos através da dança eram as palavras de ordem.

A Sua música de ricas melodias, arranjos que se encaixam com perfeição e letras muito bem feitas e de conteúdo social (verdadeiramente uma música de protesto, sem pose nem pedantismo), não tem essa popularidade porque a má formação intelectual das pessoas, somada a submissão a mídia, que decide o que seu público deve ouvir, faz com que músicas intelectualizadas sejam tidas como "chatas" e "inúteis", preferindo adotar como canções "de protesto", meras carolices ditas por dançarinos cantantes ou até verborragias berradas por sertanojos metidos ou funqueiros analfabetos.

A curta entrevista com Morrissey, líder da melhor banda da década de 80, a The Smiths, mostra coerência com a fama de intelectual conquistada com a altíssima qualidade de sua música, resultado de um rigoroso nível de exigência cultural, resultado da leitura de muitos livros e da consciência crítica do novo bardo de Manchester.

Esqueçam Jacksons, Whitneys, Guns, Biebers, Britneys e qualquer um dos mega-pop-stars do irrit-parade e suas letrinhas inócuas que só servem para mandarem você dançar (literalmente ou não). Quem entende inglês sabe que qualidade nas letras não é com eles. Morrissey, sim, é que sabe fazer boas letras, com rigor ritmico e conteúdo que só faz bem à inteligência humana.

Vejam a pequena, mas rica entrevista com o maior compositor de música de protesto dos anos 80: o ex-Smiths Stephen Patrick Morrissey, maior influência de Renato Russo.

Pergunta - Existe algo especial em voltar ao Brasil neste momento de sua carreira? Lembra-se dos shows de 2000?

Fiquei surpreso em saber que vendi tantos ingressos para esta turnê no Brasil. E fiquei completamente perplexo com a repercussão da última vez em que estive no país. Você sabe o quanto os EUA e a Inglaterra acham que são o centro do mundo. Então, é difícil saber como as coisas são no Brasil.

Eu me dou bem nos EUA e na Europa, mas meu alcance na mídia lá é quase sempre invisível. Então, fica implícito que todo grande sucesso vem das pessoas de quem você ouve falar... O que não é o meu caso! Acho que sou confuso demais ou muito provocador para a mídia lidar comigo, porque eu não sou uma pessoa"¦ simples. Então, é sempre uma surpresa.

Pergunta - Baseado na grande repercussão que foi o anúncio de seus shows, a impressão que temos é que, no Brasil, você ainda mantém um intocável status de artista cult, mesmo entre o público mais jovem. Acredita que isso é fruto da internet?

Não sei ao certo o que significa ser cult. Sempre achei que significasse que poucas pessoas se interessam por você. Há muito tempo me chamam de "artista cult" e "indie", mas nenhum desses termos é verdadeiro. Eu simplesmente não sou uma puta da mídia, que faz qualquer coisa para aparecer. Acho que todo mundo está deprimido com essa nova era da música porque parece que ela só se interessa por músicas sem sentido.

Em todo o lugar que você vá, ouvirá músicas inexpressivas --tocam techno-dance em todas as lojas de departamentos, lojas de sapatos e elevadores, porque ninguém está realmente ouvindo aquilo. Você nunca vai ouvir uma canção com conteúdo social num salão de beleza ou na TV.

Se você perguntar a uma vendedora de loja como ela consegue ouvir aquela música alta o dia todo, ela vai sempre responder: "Ah, eu me desligo". É assim a música moderna. Você não tem a permissão de escolher a canção que quer escutar. Você é bombardeado na cabeça com música que outros escolhem para você ouvir. E assim ela se torna insignificante.

Pergunta - Como faz para manter a sua carreira viva sem um contrato com um selo para lançar um CD e vivendo na era do download gratuito? Ainda se sente relevante para a música?

Eu me sinto triste porque nenhuma gravadora quer assinar comigo. Isso diz muito sobre a indústria da música nos dias de hoje. Ela está efetivamente morta agora.

Não é que ela esteja morrendo: já morreu! As gravadoras a mataram ao bagunçar as paradas de sucesso e por assinarem contratos com moleques de 15 anos que ficariam emocionados em fazer tudo isso sem um contrato.

Sigo porque gosto de cantar e, até o momento, tenho um público que quer minhas músicas. Mas minhas razões para continuar não significam nada para as gravadoras.

Pergunta - Você ouve música nova, bandas novas?

Acabo ouvindo de tudo, mas a maioria dos novos artistas matam a música. E a imprensa musical -- o que sobrou dela! -- vai sempre "hypar" seus amigos, escrever sobre os amigos e inventar premiações para os amigos, mês sim, mês não. Mas, no fundo, acho que não existe uma só pessoa neste planeta que ache que haja esperança para a música moderna.

(Publicado originalmente em 28/02/2012)

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