O Jabaculê "com categoria" na imprensa cultural

ESPREMENDO A LARANJA: Também li o texto publicado no Jornal o Fluminense e nunca tinha visto tanta fantasia e delírio. Parecia narração de  conto de fadas. Com absoluta certeza, o artigo publicado no jornal niteroiense não passou de peça publicitária para tentar fortalecer uma tendencia cada vez mais rejeitada por pessoas sensatas e que só serve para simbolizar essa falsa ascensão social do povo pobre, que, graças a sua incurável falta de discernimento resultante da péssima educação que recebe, pensa que consumismo e qualidade de vida são sinônimos e que a burrice informatizada é a nova forma de inteligência.

O JABACULÊ "COM CATEGORIA" NA IMPRENSA CULTURAL

Por Alexandre Figueiredo - O Mingau de Aço

O jabaculê tornou-se uma regra na imprensa cultural do nosso país, que dá saudades até no tempo em que, mesmo na imprensa reacionária, havia jornalistas culturais dotados de muita lucidez, como Ruy Castro, só para citar um exemplo bastante conhecido.

Hoje o que vemos é apenas a propaganda travestida de "reportagem" e "resenha cultural", geralmente feita para vender os produtos de gosto duvidoso da chamada indústria cultural. As editorias culturais viraram departamentos de marketing, verdadeiros escritórios comerciais, que fazem mera propaganda de produtos, só que "com categoria".

E isso envolve até mesmo a imprensa regional. Pode ser um jornal A Tarde, em Salvador, como pode ser O Liberal em Belém do Pará, o Diário Catarinense (do grupo RBS), em Santa Catarina e O Fluminense, de Niterói, já longe dos tempos em que o Grupo Fluminense de Comunicação abrigava a Fluminense FM, uma rádio de rock de verdade, diferente do Restart radiofônico que é a UOL 89 FM hoje.

O texto "Funk na veia: ritmo parece incansável na arte da renovação", que Ricardo Rigel escreveu no jornal O Fluminense, é um exemplo do jabaculê que se tornou o jornalismo cultural brasileiro, criticado tanto por figuras nacionais como Mino Carta quanto por figuras regionais como o crítico de cinema André Setaro, meu ex-professor da UFBA.

Cheio de inverdades, a reportagem de Rigel investe nos mesmos clichês pubicitários do "funk carioca", num repertório discursivo que não corresponde à realidade, definindo, de forma tendenciosa e hipócrita, o ritmo como se fosse uma "cultura rica", um truque publicitário cujo similar, na Bahia, já garantiu a "monocultura" da axé-music que sufoca as expressões culturais em Salvador.

Tentando uma falsa analogia entre o "pancadão" que se apropriou do termo funk e o funk original, que hoje temos que chamar de funk autêntico, aquele que, no Brasil, é representado por Tim Maia, Sandra de Sá e Banda Black Rio, entre outros, o texto tenta manter a tese, um tanto duvidosa, de que o ritmo "não para de se renovar", o que não procede na realidade.

O discurso é reforçado até mesmo por visões delirantes da intelectualidade, que tenta criar um discurso prolixo, como o da antropóloga Maria José Soares, que estabelece uma "complicada" relação entre o "funk carioca" e os "estilos de vida", dentro dos clichês da retórica intelectualoide que dão até piada (vide o personagem de Bruno Mazzeo, o antropólogo Aubenzio Peixoto, do seriado Cilada.

Há outros entrevistados que seguem o mesmo caminho, além da funqueira MC Anitta (foto), que por sinal mostra uma visão "ingênua" da chegada do "funk carioca" na "novela das nove". "O funk chegou à novela das nove. Isso é muito legal”, disse ela, sem saber das alianças entre o ritmo e as Organizações Globo.

Evidentemente, o "funk carioca" não chegou às novelas da Globo por uma questão de "muita batalha". As Organizações Globo e o grupo Folha foram os que mais apoiaram o "funk carioca". Além disso, toda a blindagem intelectual foi reforçada pelo embelezamento discursivo das duas corporações, que investiram em clichês narrativos tirados da Teoria das Mentalidades (Mentallité) e do Novo Jornalismo (New Journalism).

A reportagem também cita o novo hype do gênero, MC Naldo, mas ainda não cita o grupo niteroiense MC Federado e Os Lelekes, mas tudo indica que este é o pretexto para a reportagem, que não deixa esconder seu propósito publicitário travestido de objetividade jornalística, numa época em que até os conceitos de imparcialidade jornalística andam sendo bastante discutidos.

A tão alardeada "renovação do funk" também é outro aspecto sem lógica, afinal o som continua sendo o mesmo, com pequenas variações. O que existe é a renovação de fetiches, o lançamento de novos ídolos, que fazem essencialmente a mesma coisa. Até no chamado "funk melody". MC Anitta é um "genérico" da MC Perlla (que virou evangélica) e MC Naldo é um "genérico" dos MCs Buchecha, Sapão e Coringa.

Numa imprensa cada vez mais tendenciosa e conservadora, devemos desconfiar de textos assim sobre o brega-popularesco, principalmente o "funk carioca". Afinal, mil maravilhas se fala desse gênero, mas é só colocar um CD que essas maravilhas todas simplesmente desaparecem, diante de uma aberrante ruindade musical e uma clara imbecilização cultural. Se o "funk" está na veia de alguém, é porque está doente.

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