O Brasil ainda não percebeu que já tem a sua música de mercado

Por Marcelo Pereira

Para a maioria das pessoas, não interessa o que se passa nos bastidores de criação das músicas que gosta. O que importa é acreditar na lendária hipótese de que todo criador de música é poeta e cria de acordo com "inspirações divinas", músicas que, por mais medíocres que sejam, possam permanecer pela eternidade. Nem que essa "eternidade" dure apenas poucos meses, já que estas pessoas não conseguem enxergar o futuro, mas apenas o presente.

Esse desinteresse pelos bastidores da música facilita a má compreensão do que é música de verdade e música comercial, que nas palavras do estudioso da comunicação Umberto Eco é conhecida como canção de consumo.

A música de verdade é espontânea e mão segue padrões nem modismos. Mesmo que um criador desse tipo de música ganhe dinheiro com a sua venda, isso é apenas uma consequência e ele não condiciona a sua obra a uma garantia de lucro. Ele cria e grava o que realmente pensa não o que os outros - supostamente - querem.

O cantor/compositor comercial, mercenário, é o contrário. Ganhar dinheiro fazendo música é o seu objetivo. Segue literalmente a orientação de produtores e empresários, observa as "tendências" da moda e abusa de recursos tecnológicos e visuais para seduzir público, criando factoides para se manter em evidência.

A música comercial, ou canção de consumo, ou ainda música de mercado, surgiu provavelmente nos anos 40 e já vem sendo questionada por estudiosos estrangeiros desde então. É integrante da chamada mass culture, uma espécie de "cultura" estereotipada, voltada para o consumo, criada pelas empresas de comunicação e entretenimento para criar produtos supostamente culturais que possam garantir a renda dos envolvidos.

O Brasil já tem a sua música de mercado

O brasileiro é um povo ingênuo, que gosta de ser enganado sem saber que está. Acha que o mercenarismo só existe na política e que no entretenimento, sobretudo no esporte e na música, só existem "santos", "poetas" e "artistas". Gente que supostamente ama o que faz e tem o dom para aquilo quando na verdade deveria estar ganhando dinheiro de outra maneira (que diabos os brasileiros acham que as personalidades "bem sucedidas" só sabem fazer aquilo?).

Mas desde muitos tempos, discretamente tem se construído uma música de mercado para o Brasil. Impressionante, mas os empresários há muito não perceberam que a ingenuidade típica do povo brasileiro poderia facilmente fazer surgir consumidores em potencial da música de mercado.

Desde os anos 70, mesmo havendo tentativas anteriores - enfraquecidas pela cultura de verdade dos anos 60 - a música brasileira tem sofrido um declínio lento, que se acelerou nos anos 90, com o fortalecimento do Capitalismo com a queda do Muro de Berlin e do desenvolvimento tecnológico.

O popularesco, herdeiro da chamada música brega, caracterizada por um monte de ídolos sem vocação que entenderam que a música seria um modo fácil de ganhar dinheiro e sair da miséria financeira onde se encontravam, se fortaleceu justamente nos anos 90, com autênticos cantores de chuveiro e de churrascaria que acabavam se consagrando pela mídia, adquirindo uma espécie de "armadura moral" que os impede de serem criticados, passando a ser confundidos como "gênios da música" por um público sem o hábito de discernir as informações que recebe.

E os empresários de gravadoras, televisões, rádios e também os patrocinadores perceberam que, com a redemocratização do Brasil, precisavam, além de impedir o surgimento de novos subversivos, aproveitar o medo que a população tem - até hoje - das autoridades, que estimula uma passividade sem igual, para impor a "nova cultura", usando cantores e compositores medíocres e totalmente submissos aos meios em que trabalham.

Com a consagração da música de mercado e o enfraquecimento da música de verdade, o Brasil já começa a assimilar algo que já existe há tempos nos EUA, que há mais de 60 anos não possui uma cultura de verdade que seja típica e é totalmente refém da mass culture, produzindo uma música que sirva os interesses financeiros de quem as patrocina, visando chegar a posições privilegiadas nas paradas de sucesso que, embora para muitos sirva de "atestado de qualidade musical", na verdade é o diagnóstico de vendagem e popularidade de uma determinada música ou ídolo.

Os brasileiros agora tem que estar cientes de que a cultura está morrendo e que vemos surgir cada vez mais produtos e cada vez menos artistas. E que estes produtos, tentam, sob o disfarce de "artistas", convencer que a cultura brasileira sob as rédeas desses produtos e de seus tutores (empresários e patrocinadores), garantindo uma durabilidade de meros modismos fracos, ensinando errado a população, tão carente de heróis e de poetas, adotando como tais qualquer mercenário que lhes satisfaça os instintos.

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